CRUXIFIÇÃO

Lendo o livro de Jim Bishop “O Dia Que Cristo Morreu”, eu percebi que durante vários anos eu tinha tornado a crucificação de Jesus mais ou menos sem valor, que havia crescido calos em meu coração sobre este horror, por tratar seus detalhes de forma tão familiar - e pela amizade distante que eu tinha com nosso Senhor. Eu finalmente havia percebido que, mesmo como médico, eu não entendia a verdadeira causa da morte de Jesus. Os escritores do evangelho não nos ajudam muito com este ponto, porque a crucificação era tão comum naquele tempo que, aparentemente, acharam que uma descrição detalhada seria desnecessária. Por isso só temos as palavras concisas dos evangelistas “Então, Pilatos, após mandar açoitar a Jesus, entregou-o para ser crucificado.”

Eu não tenho nenhuma competência para discutir o infinito sofrimento psíquico e espiritual do Deus Encarnado que paga pelos pecados do homem caído. Mas parecia a mim que como um médico eu poderia procurar de forma mais detalhada os aspectos fisiológicos e anatômicos da paixão de nosso Senhor. O que foi que o corpo de Jesus de Nazaré de fato suportou durante essas horas de tortura?

Dados históricos

Isto me levou primeiro a um estudo da prática de crucificação, quer dizer, tortura e execução por fixação numa cruz. Eu estou endividado a muitos que estudaram este assunto no passado, e especialmente para um colega contemporâneo, Dr. Pierre Barbet, um cirurgião francês que fez uma pesquisa histórica e experimental exaustiva e escreveu extensivamente no assunto.

Aparentemente, a primeira prática conhecida de crucificação foi realizado pelos persas. Alexandre e seus generais trouxeram esta prática para o mundo mediterrâneo--para o Egito e para Cartago. Os romanos aparentemente aprenderam a prática dos cartagineses e (como quase tudo que os romanos fizeram) rapidamente desenvolveram nesta prática um grau muito alto de eficiência e habilidade. Vários autores romanos (Lívio, Cícero, Tácito) comentam a crucificação, e são descritas várias inovações, modificações, e variações na literatura antiga.

Por exemplo, a porção vertical da cruz (ou “stipes”) poderia ter o braço que cruzava (ou “patibulum”) fixado cerca de um metro debaixo de seu topo como nós geralmente pensamos na cruz latina. A forma mais comum usada no dia de nosso Senhor, porém, era a cruz “Tau”, formado como nossa letra “T”. Nesta cruz o patibulum era fixado ao topo do stipes. [Jesus pode ter sido fixado neste tipo de cruz, ou como se consta haver uma placa com um texto sobre o judeu, a haste horizontal pode ter sido pregada logo abaixo] . Os pintores Medievais e da Renascença nos deram o retrato de Cristo levando a cruz inteira. Mas o poste vertical, ou stipes, geralmente era fixado permanentemente no chão no local de execução. O homem condenado foi forçado a levar o patibulum, pesando aproximadamente 50 quilos, da prisão para o lugar de execução.

Muitos dos pintores e a maioria dos escultores de crucificação, também mostram os cravos passados pelas palmas. Contos romanos históricos e trabalho experimental estabeleceram que os cravos foram colocados entre os ossos pequenos dos pulsos (radial e ulna) e não pelas palmas. Cravos colocados pelas palmas sairiam por entre os dedos se o corpo fosse forçado a se apoiar neles. O equívoco pode ter ocorrido por uma interpretação errada das palavras de Jesus para Tomé, “vê as minhas mãos”. Anatomistas, modernos e antigos, sempre consideraram o pulso como parte da mão.

Um titulus, ou pequena placa, declarando o crime da vítima normalmente era colocado num mastro, levado à frente da procissão da prisão, e depois pregado à cruz de forma que estendia sobre a cabeça. Este sinal com seu mastro pregado ao topo teria dado à cruz um pouco da forma característica da cruz latina.

O suor como gotas de sangue

O sofrimento físico de Jesus começou no Getsêmani. Em Lucas diz: "E, estando em agonia, orava mais intensamente. E aconteceu que o seu suor se tornou como gotas de sangue caindo sobre a terra." (Lc 22:44) Todos os truques têm sido usados por escolas modernas para explicarem esta fase, aparentemente seguindo a impressão que isto não podia acontecer. No entanto, consegue-se muito consultando a literatura médica. Apesar de muito raro, o fenômeno de suor de sangue é bem documentado. Sujeito a um stress emocional, finos capilares nas glândulas sudoríparas podem se romper, misturando assim o sangue com o suor. Este processo poderia causar fraqueza e choque. Atenção médica é necessária para prevenir hipotermia.

Após a prisão no meio da noite, Jesus foi levado ao Sinédrio e Caifás o sumo sacerdote, onde sofreu o primeiro traumatismo físico. Jesus foi esbofeteado na face por um soldado, por manter-se em silêncio ao ser interrogado por Caifás. Os soldados do palácio tamparam seus olhos e zombaram dele, pedindo para que identificasse quem o estava batendo, e esbofeteavam a Sua face.

A condenação

De manhã cedo, Jesus, surrado e com hematomas, desidratado, e exausto por não dormir, é levado ao Pretório da Fortaleza Antônia, o centro de governo do Procurador da Judéia, Pôncio Pilatos. Você deve já conhecer a tentativa de Pilatos de passar a responsabilidade para Herodes Antipas, tetrarca da Judéia. Aparentemente, Jesus não sofreu maus tratos nas mãos de Herodes e foi devolvido a Pilatos. Foi em resposta aos gritos da multidão que Pilatos ordenou que Bar-Abbas fosse solto e condenou Jesus ao açoite e à crucificação.

Há muita diferença de opinião entre autoridades sobre o fato incomum de Jesus ser açoitado como um prelúdio à crucificação. A maioria dos escritores romanos deste período não associam os dois. Muitos peritos acreditam que Pilatos originalmente mandou que Jesus fosse açoitado como o castigo completo dele. A pena de morte através de crucificação só viria em resposta à acusação da multidão de que o Procurador não estava defendendo César corretamente contra este pretendente que supostamente reivindicou ser o Rei dos judeus.

Os preparativos para as chicotadas foram realizados quando o prisioneiro era despido de suas roupas, e suas mãos amarradas a um poste, acima de sua cabeça. É duvidoso se os Romanos teriam seguido as leis judaicas quanto às chicotadas. Os judeus tinham uma lei antiga que proibia mais de 40 (quarenta) chicotadas.

O açoite

O soldado romano dá um passo a frente com o flagrum (açoite) em sua mão. Este é um chicote com várias tiras pesadas de couro com duas pequenas bolas de chumbo amarradas nas pontas de cada tira. O pesado chicote é batido com toda força contra os ombros, costas e pernas de Jesus. Primeiramente as pesadas tiras de couro cortam apenas a pele. Então, conforme as chicotadas continuam, elas cortam os tecidos debaixo da pele, rompendo os capilares e veias da pele, causando marcas de sangue, e finalmente, hemorragia arterial de vasos da musculatura.

As pequenas bolas de chumbo primeiramente produzem grandes, profundos hematomas, que se rompem com as subseqüentes chicotadas. Finalmente, a pele das costas está pendurada em tiras e toda a área está uma irreconhecível massa de tecido ensangüentado. Quando é determinado, pelo centurião responsável, que o prisioneiro está a beira da morte, então o espancamento é encerrado.

Então, Jesus, quase desmaiando é desamarrado, e lhe é permitido cair no pavimento de pedra, molhado com Seu próprio sangue. Os soldados romanos vêm uma grande piada neste Judeu, que se dizia ser o Rei. Eles atiram um manto sobre os seus ombros e colocam um pau em suas mãos, como um cetro. Eles ainda precisam de uma coroa para completar a cena. Um pequeno galho flexível, coberto de longos espinhos é enrolado em forma de uma coroa e pressionado sobre Sua cabeça. Novamente, há uma intensa hemorragia (o couro do crânio é uma das regiões mais irrigadas do nosso corpo).

Após zombarem dele, e baterem em sua face, tiram o pau de suas mãos e batem em sua cabeça, fazendo com que os espinhos se aprofundem em sua cabeça. Finalmente, cansado de seu sádico esporte, o manto é retirado de suas costas. O manto, por sua vez, já havia aderido ao sangue e grudado nas feridas. Como em uma descuidada remoção de uma atadura cirúrgica, sua retirada causa dor toturante. As feridas começam a sangrar como se ele estivesse apanhando outra vez.

A cruz

Em respeito ao costume dos judeus, os romanos devolvem a roupa de Jesus. A pesada barra horizontal da cruzé amarrada sobre seus ombros, e a procissão do Cristo condenado, dois ladrões e o destacamento dos soldados romanos para a execução, encabeçado por um centurião, começa a vagarosa jornada até o Gólgota. Apesar do esforço de andar ereto, o peso da madeira somado ao choque produzido pela grande perda de sangue, é demais para ele. Ele tropeça e cai. As lascas da madeira áspera rasgam a pele dilacerada e os músculos de seus ombros. Ele tenta se levantar, mas os músculos humanos já chegaram ao seu limite.

O centurião, ansioso para realizar a crucificação, escolhe um observador norte-africano, Simão, um Cirineu, para carregar a cruz. Jesus segue ainda sangrando, com o suor frio de choque. A jornada de mais de 800 metros da fortaleza Antônia até Gólgota é então completada. O prisioneiro é despido - exceto por um pedaço de pano que era permitido aos judeus.

A crucificação

A crucificação começa: Jesus é oferecido vinho com mirra, um leve analgésico. Jesus se recusa a beber. Simão é ordenado a colocar a barra no chão e Jesus é rapidamente jogado de costas, com seus ombros contra a madeira. O legionário procura a depressão entre os osso de seu pulso. Ele bate um pesado cravo de ferro quadrado que traspassa o pulso de Jesus, entrando na madeira. Rapidamente ele se move para o outro lado e repete a mesma ação, tomando o cuidado de não esticar os ombros demais, para possibilitar alguma flexão e movimento. A barra da cruz é então levantada e colocado em cima do poste, e sobre o topo é pregada a inscrição onde se lê: "Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus".

O pé esquerdo agora é empurrado para trás contra o pé direito, e com ambos os pés estendidos, dedos dos pés para baixo, um cravo é batido atraves deles, deixando os joelhos dobrados moderadamente. A vítima agora é crucificada. Enquanto ele cai para baixo aos poucos, com mais peso nos cravos nos pulsos a dor insuportável corre pelos dedos e para cima dos braços para explodir no cérebro – os cravos nos pulsos estão pondo pressão nos nervos medianos. Quando ele se empurra para cima para evitar este tormento de alongamento, ele coloca seu peso inteiro no cravo que passa pelos pés. Novamente há a agonia queimando do cravo que rasga pelos nervos entre os ossos dos pés.

Neste ponto, outro fenômeno ocorre. Enquanto os braços se cansam, grandes ondas de cãibras percorrem seus músculos, causando intensa dor. Com estas cãibras, vem a dificuldade de empurrar-se para cima. Pendurado por seus braços, os músculos peitorais ficam paralisados, e o músculos intercostais incapazes de agir. O ar pode ser aspirado pelos pulmões, mas não pode ser expirado. Jesus luta para se levantar a fim de fazer uma respiração. Finalmente, dióxido de carbono é acumulado nos pulmões e no sangue, e as cãibras diminuem. Esporadicamente, ele é capaz de se levantar e expirar e inspirar o oxigênio vital. Sem dúvida, foi durante este período que Jesus consegui falar as sete frases registradas:

Jesus olhando para os soldados romanos, lançando sorte sobre suas vestes disse: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. " (Lucas 23:34)

Ao ladrão arrependido, Jesus disse: "Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso." (Lucas 23:43)

Olhando para baixo para Maria, sua mãe, Jesus disse: “Mulher, eis aí teu filho.” E ao atemorizado e quebrantado adolescente João, “Eis aí tua mãe.” (João 19:26-27)

O próximo clamor veio do início do Salmo 22, “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

Ele passa horas de dor sem limite, ciclos de contorção, câimbras nas juntas, asfixia intermitente e parcial, intensa dor por causa das lascas enfiadas nos tecidos de suas costas dilaceradas, conforme ele se levanta contra o poste da cruz. Então outra dor agonizante começa. Uma profunda dor no peito, enquanto seu pericárdio se enche de um líquido que comprime o coração.

Lembramos o Salmo 22 versículo 14 “Derramei-me como água, e todos os meus ossos se desconjuntaram; meu coração fez-se como cera, derreteu-se dentro de mim.”

Agora está quase acabado - a perda de líquidos dos tecidos atinge um nível crítico - o coração comprimido se esforça para bombear o sangue grosso e pesado aos tecidos - os pulmões torturados tentam tomar pequenos golpes de ar. Os tecidos, marcados pela desidratação, mandam seus estímulos para o cérebro.

Jesus clama “Tenho sede!” (João 19:28)

Lembramos outro versículo do profético Salmo 22 “Secou-se o meu vigor, como um caco de barro, e a língua se me apega ao céu da boca; assim, me deitas no pó da morte.”

Uma esponja molhada em “posca”, o vinho azedo que era a bebida dos soldados romanos, é levantada aos seus lábios. Ele, aparentemente, não toma este líquido. O corpo de Jesus chega ao extremo, e ele pode sentir o calafrio da morte passando sobre seu corpo. Este acontecimento traz as suas próximas palavras - provavelmente, um pouco mais que um torturado suspiro “Está consumado!”. (João 19:30)

Sua missão de sacrifício está concluída. Finalmente, ele pode permitir o seu corpo morrer.

Com um último esforço, ele mais uma vez pressiona o seu peso sobre os pés contra o cravo, estica as suas pernas, respira fundo e grita seu último clamor: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lucas 23:46).

O resto você sabe. Para não profanar a Páscoa, os judeus pediam para que o réus fossem despachados e removidos das cruzes. O método comum de terminar uma crucificação era por crucificatura, quebrando os ossos das pernas. Isto impedia que a vítima se levantasse, e assim eles não podiam aliviar a tensão dos músculos do peito e logo sufocaram. As pernas dos dois ladrões foram quebradas, mas, quando os soldados chegaram a Jesus viram que não era necessário.

Conclusão

Aparentemente, [embora já morto], para ter certeza da morte, um soldado traspassou sua lança entre o quinto espaço das costelas, enfiado para cima em direção ao pericárdio, até o coração. O verso 34 do capítulo 19 do evangelho de João diz: "E imediatamente verteu sangue e água." Isto era saída de fluido do saco que recobre o coração, [a água pode ter sido da pleura do pulmão] e o sangue do interior do coração. O Senhor podendo assim ter morrido, não de asfixia, mas de um enfarte de coração, causado por choque e constrição do coração por fluidos no pericárdio.

Assim nós tivemos nosso olhar rápido – inclusive a evidência médica – daquele epítome de maldade que o homem exibiu para com o Homem e para com Deus. Foi uma visão terrível, e mais que suficiente para nos deixar desesperados e deprimidos. Como podemos ser gratos que nós temos o grande capítulo subseqüente da clemência infinita de Deus para com o homem – o milagre da expiação e a expectativa da manhã triunfante da Páscoa.

sexta-feira, 23 de março de 2012

APOLOGÉTICA


D. ESTEVÃO BETTENCOURT, OSB 

Continuemos a estudar as heresias cristológicas no intuito de compreender melhor a sutileza da disputa e a ação do Espírito de Deus através das vicissitudes humanas. 

O Henotikón e o Teopasquismo 

Vinte e cinco anos após o Concílio de Calcedônia, em 476, deu-se nova investida dos monofisitas contra a ortodoxia. Com efeito; os Patriarcas Pedro Mongo, de Alexandria, e Acácio de Constantinopla, adeptos do monofisismo, redigiram um Símbolo de fé que condenava tanto Nestório quanto Eutiques; rejeitava o Concílio de Calcedônia e afirmava que as normas de fé deveriam ser o símbolo niceno-constantinopolitano e as definições do Concílio de Éfeso (431). Tal fórmula de 476 podia ser interpretada de diversas maneiras. O Imperador Zenão promulgou esse símbolo de fé, dito Henotikón (Edito de União), com o vigor de lei do Estado. Assim esperava atingir a unidade religiosa dentro do Império. 

Infelizmente, porém, causou mais acesas divisões. Muitos católicos e os monofisitas mais extremados recusaram obedecer ao Imperador por causa da ambigüidade do Henotikón. Ao saber das manobras do Imperador, o Papa Félix III enviou legados a Constantinopla para pedir a Zenão, e ao Patriarca Acácio fidelidade ao Concílio de Calcedônia. Como fossem vãs essas solicitações, o Papa resolveu depor Acácio, Patriarca de Constantinopla. Tal medida era muito grave, pois significava ruptura com os cristãos orientais em geral e com o Imperador, que os queria dirigir no sentido do monofisismo. O Papa, porém, foi corajoso no cumprimento do dever de preservar a reta fé. 

A ruptura durou 35 anos (484-519). Foi chamada “cisma acaciano”, durante o qual o monofisismo se propagou amplamente entre os orientais. Zenão morreu em 491, tendo por sucessor o Imperador Anastásio (491-518), também simpático aos monofisitas. Por isto, as conversações que o Papa encaminhou com o monarca, foram infrutíferas. A situação se tornou ainda mais sombria por causa da questão teopasquita. Com efeito; a liturgia grega cantava a Triságion (três vezes santo) nos seguintes termos: “Santo (hágios) Deus, Santo Forte, Santo imortal, tem piedade de nós”. Ora o bispo monofisita Pedro Fulão de Antioquia acrescentou-lhe as palavras “que foste pregado na cruz por cause de nós”. 

O Imperador Anastásio mandou recitar a fórmula ampliada em Constantinopla; donde resultou grande agitação. Diziam alguns monges e fiéis: “Um da Santíssima Trindade padeceu na carne”; foram chamados teopasquitas. A fórmula em foco podia ser entendida segundo a ortodoxia: a segunda Pessoa da SS. Trindade, tendo-se feito homem, padeceu na carne de Jesus. Mas, como a origem desses dizeres era monofisita, os ortodoxos desconfiaram dos mesmos, de mais a mais que os monofisitas lhes favoreciam calorosamente. Morto o Imperador Anastásio, sucedeu-lhe Justino (518-527), que se empenhou por restabelecer a comunhão com a Sé de Roma. O Papa Hormisdas (514-523) acolheu o propósito de Bizâncio e mandou legados a esta cidade com uma fórmula de união dita “Livro da Fé do Papa Hormisdas”: esta proclamava o símbolo de fé calcedonense e as cartas dogmáticas de Leão Magno; renovava o anátema sobre Nestório, Eutiques, Dióscoro e outros chefes monofisitas; além disto, declarava que, conforme a promessa de Cristo a Pedro em Mt 16,16-19, a fé católica se conservava intacta na Sé de Roma; por isto os fiéis deviam obediência às decisões tomadas por esta. 

Era assim professado o primado do Papa em 515. O Patriarca João II, de Constantinopla, os bispos e os monges presentes nesta cidade assinaram tal fórmula. Estava terminado o cisma. O monofisismo perdeu muito da sua voga, mas as controvérsias continuaram. 

Os Três Capítulos 

O Imperador Justiniano (527-565) foi homem de grande ideal, que tencionou dar ao Império um período de fausto como não o tivera até então. Era, ao mesmo tempo, prepotente, de modo que exerceu forte cesaropapismo. Compreende-se então que as controvérsias teológicas tenham merecido sua zelosa atenção. O Imperador, querendo conciliar os ânimos, só fez provocar maiores tumultos. O bispo Teodoro Asquida de Cesaréia, muito influente na corte, sugeriu ao Imperador que condenasse três nomes de autores antioquenos tidos como inspiradores do nestorianismo; dizia que bastaria essa medida para obter a volta dos monofisitas: A comunhão da Igreja Universal. 

Esses três nomes constituíram Três Capítulos, a saber: 1) Teodoro de Mopsuéstia († 428), sua pessoa e seus escritos; 2) os escritos de Teodoreto de Ciro († 458) contra Cirilo e o Concílio de Éfeso; 3) a carta do bispo Ibas de Edessa († 435) ao bispo Mário de Ardashir em defesa de Teodoro de Mopsuéstia e contra os anatematismos de Cirilo. O Imperador acolheu a proposta e publicou um edito que anatematizava os Três Capítulos em 543. Este decreto dividiu os ânimos, pois não se viam claramente os erros pretensamente cometidos pelos três autores. Justiniano, porém, obrigou o Patriarca Menas e os bispos orientais a assinar o anitema. 

Os ocidentais deviam seguir-lhes o exemplo, tendo o Papa Vigilio à frente. Este relutou; por isto o Imperador mandou buscá-lo de Roma para Constantinopla. Um ano após sua chegada, Vigílio em 548 escreveu o ludicatum, em que condenava os Três Capítulos, ressalvando, porém, a autoridade do Concílio de Calcedônia. O gesto do Papa causou indignação entre os ocidentais, principalmente no Norte da África, pois era uma estrondosa vitória do cesaropapismo. Em conseqüência, o Papa e o Imperador em 550 decidiram convocar um Concílio Ecumênico para resolver o caso; entrementes nenhuma inovação seria praticada. Todavia em julho de 551 Justiniano repetiu o anátema sobre os Três Capítulos - o que provocou ruptura com o Papa Vigílio, que teve de procurar asilo em igrejas de Constantinopla e Calcedônia. 

A respeito do Concílio, o Papa e o Imperador já não concordavam entre si. Por isto Justiniano convocou o Concílio por sua exclusiva iniciativa. Reunido sob a presidência de Eutíquio, novo Patriarca de Bizâncio, renovou a condenação dos Três Capítulos (maio e junho de 553). Vigílio então em 13/05/553, no decurso do próprio Concílio, publicou o Constitutum que se opunha à condenação dos Três Capítulos. Justiniano não aceitou a nova posição do Papa e mandou cancelar o nome de Vigílio nas orações da Liturgia. Finalmente, sob o peso das pressões e da doença, o Papa em dezembro de 553 retirou o seu Constitutum e aderiu às decisões do Concílio de Constantinopla de 553. Num segundo Constitutum de 23/02/554, expôs as razões da sua atitude. Em conseqüência, o Imperador permitiu-lhe voltar para Roma; todavia morreu em viagem (555). Era vítima da sua inconstância de caráter. 

Os Papas que lhe sucederam, a começar por Pelágio I (556-561), reconheceram o Concílio de 553 como ecumênico; é o de Constantinopla II. As dioceses do Ocidente aos poucos também o foram reconhecendo, embora tivessem consciência de que significava uma humilhação para o Papado. Notemos que as hesitações do Papa Vigílio não versavam sobre assuntos de fé propriamente dita, mas sobre a oportunidade ou não de se condenarem três nomes de escritores antigos. "O episódio também é interessante por evidenciar quanto era prestigiada a Sé Romana; o Imperador quis absolutamente ganhar o consenso do Papa Vigílio; por isto mandou buscá-lo em Roma e pressionou-o repetidamente para que subscrevesse ao decreto imperial, como se este precisasse da assinatura do Papa para ser válido. 

Monergetismo e monotelitismo 

Os monofisitas insistiam em se auto-afirmar. Por isto a heresia reapareceu no século VII sob nova forma. O Patriarca Sérgio de Constantinopla desde 619 ensinava que em Jesus havia uma só enérgeia ou uma só capacidade de agir (monergetismo); a capacidade humana estaria absorvida na divina e não teria suas expressões naturais. O Imperador Heráclio (610-641) aceitou a nova fórmula e conseguiu assim reconciliar grupos monofisitas com o Império. 

Todavia o monge palestinense Sofrônio resolveu resistir à nova doutrina, denunciando-a como monofisismo velado. O Patriarca Sérgio de Constantinopla deixou então de falar de uma só faculdade operativa, para afirmar uma só vontade (a Divina tendo absorvido a humana) em Jesus (monotelitismo). Muito habilmente Sérgio tentou ganhar os favores do Papa Honório I (625-638); este, tendo recebido informações unilaterais, escreveu duas cartas ao Patriarca de Constantinopla, em que aderia genericamente à sua posição, embora não compartilhasse propriamente nem o monergismo nem o monofisismo; para evitar escândalos ordenava que não se falasse de uma ou duas energias. 

Levando adiante a causa de Sérgio, o Imperador Heráclio em 638 promulgou a profissão de fé dita “Ectese”, redigida pelo Patriarca, que reafirmava o monotelitismo. Os bispos orientais a aceitaram quase unanimemente, ao passo que os sucessores do Papa Honório (morto em 638) a condenaram. 

O Imperador Constante II (641-648), sobrinho de Heráclio, retirou a “Ectese”, mas, aconselhado pelo Patriarca Paulo de Constantinopla, publicou novo edito dogmático, chamado Typos, em 648, que proibia falar de uma ou duas vontades em Cristo. O monarca tencionava assim pôr fim à contenda. Ora no Ocidente o Papa Martinho I (649-653), percebendo a sutileza dos bizantinos, reuniu um Concílio no Latrão (Roma) em 649, o qual declarou que em Cristo havia dois modos de operar e duas vontades naturais, e puniu com a excomunhão os fautores das novas idéias. O Imperador, indignado, mandou prender o Papa e leva-lo para Constantinopla (653); aí foi humilhado como traidor e, por fim, exilado para a Criméia, onde morreu de maus tratos. Vários cristãos orientais foram tratados de modo semelhante por resistirem ao Imperador, merecendo especial destaque o abade São Máximo o Confessor, que foi cruelmente martirizado. 

Constantino IV Pogonato (668-685), filho de Constante II, procurou a paz e, para tanto, decidiu convocar um Concílio Ecumênico, idéia que o Papa Agatão (678-681) aprovou com solicitude. Tal foi o sexto Concílio Ecumênico, o de Constantinopla III, celebrado de novembro de 680 a setembro de 681, com a presença de 170 participantes. Os conciliares elaboraram uma profissão de fé, que completava a de Calcedônia: 

“Nós professamos, segundo a doutrina dos Santos Padres, duas vontades naturais e dois modos naturais de operar, indivisos e inalterados, inseparados e não misturados, duas vontades diversas, não, porém, no sentido de que uma esteja em oposição à outra, mas no sentido de que a vontade humana seque e se subordina à divina" 

Isto quer dizer que em Jesus havia duas faculdades de querer - a divina e a humana - de tal modo, porém, que a vontade humana se sujeitava à divina, como atesta a oração no horto das Oliveiras, conforme Mc 14,36. 

O Concílio condenou os defensores do monotelitismo e o próprio Papa Honório, tido como fautor de tal doutrina. A condenação de Honório suscitou longos debates entre historiadores e teólogos modernos. Na verdade, pode-se tranqüilamente dizer o seguinte: 

O Papa Honório, intervindo na controvérsia, não quis proferir definições ex cathedra, nem quis discutir como teólogo. Unilateralmente informado por Sérgio, julgou que a discussão a respeito de uma ou duas vontades em Cristo era mero litígio de palavras, como estava nos hábitos dos bizantinos; por isto julgou que podia aprovar a posição de Sérgio sem afetar a reta fé. A expressão “uma vontade”, aliás, foi explicada pelo próprio Honório em sua carta a Sérgio, no sentido de conformidade do querer humano com o divino. Quanto às faculdades de operar (energeias), Honório esclareceu, seu ponto de vista referindo-se à epístola dogmática de São Leão a Flaviano, que diz: ambas as naturezas operam na única pessoa de Cristo, não misturadas, não separadas e não confusas, aquilo que é próprio de cada uma delas. Donde se vê que o juízo proferido sobre Honório pelo Concílio de 681 foi severo demais; a Sé de Roma nunca o aprovou integralmente.

APOLOGÉTICA


D. ESTEVÃO BETTENCOURT, OSB 

Após verificar que o Filho de Deus é verdadeiro Deus com o Pai e o Espírito Santo, a atenção dos teólogos devia voltar´se mais detidamente para a questão: como Jesus pode ser autêntico Deus e autêntico homem? Como se relacionam entre si a Divindade e a humanidade de Jesus? A resposta a estas perguntas exigiu grande esforço por parte dos estudiosos, que a formularam em quatro etapas: 

1) a fase apolinarista; 

2) a fase nestoriana; 

3) a fase monofisita; 

4) a fase monotelita. 

A seguir, estudaremos as três primeiras destas etapas. 

O Apolinarismo 

Em plena controvérsia ariana, o Bispo Apolinário de Laodicéia (Síria), 310-390, mostrava-se fervoroso defensor do Credo niceno contra os arianos, mas afirmava que em Cristo a natureza humana carecia de alma humana; tomava ao pé da letra as palavras de S. João 1,14: “O Lógos se fez carne”, entendendo carne no sentido estrito, com exclusão de alma. O Lógos de Deus faria as vezes de alma humana em Jesus, isto é, seria responsável pelas funções vitais da natureza humana assumida pelo Lógos. 

Os argumentos em favor desta tese eram os seguintes: duas naturezas completas (Divindade e humanidade) não podem tornar-se um ser único; se Jesus as tivesse, Ele teria duas pessoas ou dois eu - o que seria monstruoso. Além disto, dizia, onde há um homem completo, há também o pecado; ora o pecado tem origem na vontade; por conseguinte, Jesus não podia ter vontade humana nem a alma espiritual, que é a sede da vontade. 

Apolinário expôs suas idéias no livro “Encarnação do Verbo de Deus”, que ele apresentou ao Imperador Joviano e que os seus discípulos difundiram. - Foram condenadas num sínodo de Alexandria em 362; depois, pelo Papa S. Dâmaso em 377 e 382 e, especialmente, pelo Concílio de Constantinopla I (381). Verificando a oposição que lhe faziam bons teólogos, Apolinário limitou-se a negar a presença de mente (nous) humana em Jesus. S. Gregório de Nissa († 394) e outros autores lhe responderam mediante belo princípio: “O que não foi assumido pelo Verbo, não foi redimido” - o que quer dizer: Deus quer santificar e salvar a natureza humana pelo próprio mistério da Encarnação ou pela união da Divindade com a humanidade; se pois, a humanidade estava mutilada em Jesus, ela não foi inteiramente salva. 

Em Antioquia, fundou-se uma comunidade apolinarista, tendo à frente o Bispo Vital. Por volta de 420 esta foi reabsorvida pela Igreja ortodoxa, mas nem todos os seus membros abandonaram o erro, que reviveu, de certo modo, na heresia monofisita. 

O Nestorianismo. 

Afirmada a existência da natureza humana completa em Jesus, os teólogos puderam estudar mais detidamente o modo como humanidade e Divindade se relacionaram em Cristo. Antes, porém, de entrar em particulares, devemos mencionar as duas principais escolas teológicas da antigüidade: a alexandrina e a antioquena, que muito influíram na elaboração da Cristologia. 

A escola alexandrina era herdeira de forte tendência mística; procurava exaltar o divino e o transcendental nos artigos da fé. Interpretava a S. Escritura em sentido alegórico, tentando desvendar os mistérios divinos contidos nas Sagradas Letras. Em assuntos cristológicos, portanto, era inclinada a realçar o divino, com detrimento do humano. Ao contrário, a escola antioquena era mais dada à filosofia e à razão: voltava-se mais para o humano, sem negar o divino. Interpretava a S. Escritura em sentido literal e tendia a salientar em Jesus os predicados humanos mais do que os atributos divinos. Era mais racional, ao passo que a de Alexandria era mais mística. 

Dito isto, voltemos à história do dogma cristológico. A primeira tentativa de solução foi encabeçada por Nestório, elevado à cátedra episcopal de Constantinopla em 428. Afirmava que o Lógos habitava na humanidade de Jesus como um homem se acha num templo ou numa veste; haveria duas pessoas, em Jesus - uma divina e outra humana - unidas entre si por um vinculo afetivo ou moral. Por conseguinte, Maria não seria a Mãe de Deus (Theotókos), como diziam os antigos, mas apenas Mãe de Cristo (Christokós); ela teria gerado o homem Jesus, ao qual se uniu a segunda pessoa da SS. Trindade com a sua Divindade. 

Nestório propunha suas idéias em pregações ao povo, nas quais substituía o título “Mãe de Deus” por “Mãe de Cristo”. As suas concepções suscitaram reação não só em Constantinopla, mas em outras regiões também, especialmente em Alexandria, onde S. Cirilo era Bispo ardoroso. Este escreveu em 429 aos bispos e aos monges do Egito, condenando a doutrina de Nestório. As duas correntes se dirigiram ao Papa Celestino I, que rejeitou a doutrina de Nestório num sínodo de 430. Deu ordem a S. Cirilo para que intimasse Nestório a retirar suas teorias no prazo de dez dias, sob pena de exílio; Cirilo enviou ao Patriarca de Constantinopla uma lista de doze anatematismos que condenavam o nestorianismo. Nestório não se quis dobrar, de mais a mais que podia contar com o apoio do Imperador; além do mais, tinha muitos seguidores na escola antioquena, entre os quais o próprio Bispo João de Antioquia. 

Em 431, o Imperador Teodósio II, instado por Nestório, convocou para Éfeso o terceiro Concílio Ecumênico a fim de solucionar a questão discutida. S. Cirilo, como representante do Papa Celestino I, abriu a assembléia diante de 153 Bispos. Logo na primeira sessão, foram apresentados os argumentos da literatura antiga favoráveis ao título Theotókos, que acabou sendo solenemente proclamado; daí se seguia que em Jesus havia uma só pessoa (a Divina); Maria se tornara Mãe de Deus pelo fato de que Deus quisera assumir a natureza humana no seu seio. Quatro dias após esta sessão, isto é, a 26/06/431 chegou a Éfeso o Patriarca Jogo de Antioquia, com 43 Bispos seus seguidores, todos favoráveis a Nestório; não quiseram unir-se ao Concílio presidido por S. Cirilo, representante do Papa; por isto formaram um conciliábulo, qual depôs Cirilo. 

O Imperador acompanhava tudo de perto e sentia-se indeciso. S. Cirilo então mobilizou todos os seus recursos, para mover Teodósio II em favor da reta doutrina; nisto foi ajudado por Pulquéria, piedosa e influente irmã mais velha do Imperador. Este finalmente apoiou a sentença de Cirilo e exilou Nestório. Todavia os antioquenos não se renderam de imediato; acusavam Cirilo de arianismo a apolinarismo. Após dois anos de litígio, em 433 puseram-se de acordo sobre uma fórmula de fé que professava um só Cristo e Maria como Theotókos. O Nestorianismo, porém, não se extinguiu. Os seus adeptos, expulsos do Império Bizantino, foram procurar refúgio na Pérsia, onde fundaram a Igreja Nestoriana. 

Esta teve notável expansão até a China e a Índia Meridional; mas do século XIV em diante foi definhando por causa das incursões dos mongóis; em grande parte, os nestorianos voltaram à comunhão da Igreja universal (são hoje os cristãos caldeus e os cristãos de São Tomé). Em nossos dias muitos estudiosos têm procurado reabilitar a pessoa e a obra de Nestório, que parece ser autor de uma apologia intitulada “Tratado de Heraclides de Damasco”: pode-se crer que tenha tido reta intenção; mas certamente sustentou posições errôneas por se ter apegado demasiadamente à Escola Antioquena. 

O Monofisismo 

A luta contra o Nestorianismo, que admitia em Jesus duas naturezas e duas pessoas, deu ocasião ao surto do extremo oposto, que é o monofisismo ou monofisitismo (“em Jesus há uma só natureza e uma só pessoa: a divina”). O primeiro arauto desta tese foi Eutiques, arquimandrita de Constantinopla: reconhecia que Jesus constava originariamente da natureza divina e da humana, mas afirmava que a natureza divina absorveu a humana, divinizando-a; após a Encarnação, só se poderia falar de uma natureza em Jesus: a divina. 

Esta doutrina tornou-se a heresia mais popular e mais poderosa da antigüidade, pois, para os orientais, a divinização da humanidade em Cristo era o modelo do que deve acontecer com cada cristão. Eutiques foi condenado como herege no Sínodo de Constantinopla em 448, sob o Patriarca Flaviano. Todavia não cedeu e reclamou contra uma pretensa injustiça, pois tencionava combater o Nestorianismo. Conseguiu assim ganhar os favores da corte. Solicitado pelo Patriarca Dióscoro de Alexandria, Teodósio II Imperador convocou em 449 novo Concílio Ecumênico para Éfeso, confiando a presidência do mesmo a Dióscoro, que era partidário de Estiques. Dióscoro, tendo aberto o Concílio negou a presidência aos legados papais; não permitiu que fosse lida a Carta do Papa S. Leão Magno, que propunha a reta doutrina: as duas naturezas em Cristo não se misturam nem confundem, mas cada qual exerce a sua atividade própria em comunhão com a outra; assim Cristo teve realmente fome, sede e cansaço, como homem, e pôde ressuscitar mortos como Deus. - Esse Concílio de Éfeso proclamou a ortodoxia de Eutiques; depôs Flaviano, Patriarca de Constantinopla, e outros Bispos contrários à tese monofisita... Todavia os seus decretos foram de curta duração. Os Bispos de diversas regiões o repudiaram como ilegítimo ou, segundo a expressão do Papa São Leão Magno, como “latrocínio de Éfeso”; pediam novo Concílio que de fato foi convocado após a morte de Teodósio II pela Imperatriz Pulquéria (irmã de Teodósio) e pelo general Marcião, que em 450 foi feito Imperador e se casou com Pulquéria. 

O novo Concílio, desta vez legítimo, reuniu-se em Caledônia, diante de Constantinopla, em 451; foi o mais concorrido da antigüidade, pois dele participaram mais de 600 membros, entre os quais três legados papais. A assembléia rejeitou o “latrocínio de Éfeso”; depôs Dióscoro e aclamou solenemente a Epístola Dogmática do Papa São Leão a Flaviano; esta serviu de base a uma confissão de fé, que rejeitava os extremos do Nestorianismo e do Monofisismo, propondo em Cristo uma só pessoa e duas naturezas: “Ensinamos e professamos um Único e idêntico Cristo... em duas naturezas, não confusas e não transformadas, não divididas, não separadas, pois a união das naturezas não suprimiu as diferenças; antes, cada uma das naturezas conservou as suas propriedades e se uniu com a outra numa Única pessoa e numa Única hipóstase”. 

Assim terminou a fase principal das disputas cristológicas: em Cristo não há duas naturezas e duas pessoas, pois isto destruiria a realidade da Encarnação e da obra redentora de Cristo; mas também não há uma só natureza e uma só pessoa, pois Cristo agiu como verdadeiro homem, sujeito à dor e à morte para transfigurar estas nossas realidades. Havia, pois, uma só pessoa (um só eu) divina, que, além de dispor da natureza divina desde toda a eternidade, assumiu a natureza humana no seio de Maria Virgem e viveu na terra agindo ora como Deus, ora como homem, mas sempre e somente com o seu eu divino. 

O encerramento do Concílio de Calcedônia não significou a extinção do monofisismo. Além da atração que esta doutrina exercia sobre os fiéis (especialmente os monges), propondo-lhes a humanidade divinizada de Cristo como modelo, motivos políticos explicam essa persistência da heresia; com efeito, na Síria e no Egito certos cristãos viam no Monofisismo a expressão de suas tendências nacionalistas, opostas ao helenismo e à dominação bizantina. Por isto os monofisitas continuaram a lutar contra o Imperador, que havia exilado Dióscoro e Eutiques e ameaçado de punição os adeptos destes: ocuparam sedes episcopais; inclusive a de Jerusalém (ao menos temporariamente). 

No século VII a situação se agravou, pois os muçulmanos ocuparam a Palestina, a Síria e o Egito, impedindo a ação de Bizâncio em prol da ortodoxia nesses países. Em conseqüência, os monofisitas foram constituindo Igrejas nacionais: a armena, a síria, a mesopotâmica, a egípcia e a etíope, que subsistem até hoje com cerca de 10 milhões de fiéis. No Egito, os monofisitas tomaram o nome de coptas, nome que guarda as três consoantes da palavra grega Aigyptos (g ou k, p, t ); são os antigos egípcios. Os ortodoxos se chamam melquitas (de melek, Imperador), pois guardam a doutrina ortodoxa patrocinada pelo Imperador em Calcedônia. Há coptas que se uniram a Roma em 1742, enquanto os outros permanecem monofisitas, mas professam quase o mesmo Credo que os católicos. 

Na Abissínia os monofisitas também são chamados coptas pois receberam forte influência do Egito. "Dentre os melquitas, grande parte aderiu ao cisma bizantino, separando-se de Roma em 1054; certos grupos, porém, estão hoje unidos à Igreja universal. Na Síria e nos países vizinhos, os monofisitas foram chamados jacobitas, nome derivado de um dos seus primeiros chefes: Jacó Baradai (=o homem da coberta de cavalo, alusão às suas vestes maltrapilhas). Jacó, bispo de Edessa (541-578), trabalhou com zelo e êxito para consolidar as Comunidades monofisitas, as quais deu por cabeça o Patriarca Sérgio de Antioquia (544). A história das disputas cristológicas prosseguirá no capítulo seguinte.

SER COMO A MÃE

O Evangelho de João (Jo 19,25) relata que no momento da crucificação de Jesus, Maria sua mãe estava aos pés da cruz. Ela certamente olhava para aquela cena dolorosa com todo seu amor, só conseguia ver seu filho, o Filho de Deus se consumindo de amor por toda a humanidade.

Mudando o foco para Jesus, o que Ele estaria vendo? Qual seria a imagem que Jesus estaria vendo do alto da cruz?

Seu olhar não é atraído por uma mulher desmaiada, ou totalmente descontrolada como poderia ocorrer com uma mãe presenciando o filho se esvaindo aos poucos diante dela. O que chama a atenção de Jesus é ver sua mãe de pé diante da cruz.

Maria está lá, esmagada pela dor, mas de pé, ela não desfalece. Está pronta a carregar com o Filho todo o peso do sofrimento que lhe fora reservado. Ela compreende e compartilha o sofrimento do Filho. Se tivéssemos olhos espirituais com certeza ao olhar para Jesus crucificado veríamos que junto dele estava Maria. Contemplamos aí dois martírios, o primeiro e mais contundente o de Jesus, e o segundo um martírio diferente, mas também contundente, Maria sendo martirizada na alma.

Arnoldo de Chartres  escreve que por ocasião do grande sacrifício do Cordeiro imaculado, que morria por nós na cruz, poderíamos ter visto dois altares: um no Calvário, no corpo de Jesus, outro no Coração de Maria. Enquanto o Filho sacrificava seu corpo pela morte, Maria sacrificava sua alma pela compaixão.

Maria poderia ter tentado evitar que a situação chegasse a tal ponto se na ocasião da condenação e sentença de Jesus ela tivesse intercedido junto a Pilatos. Porém, ela sabia que a hora anunciada por Jesus havia chegado. A hora da cruz, da redenção, da libertação, da salvação, a hora da vitória.
 
A atitude de Maria indica que é decisivo ficar perto da cruz de Jesus, o importante é acreditar e apropriar-se do Seu sofrimento.

É o poder que emana da cruz que nos possibilita carregar a nossa cruz. Maria nos ensina como se comportar diante da cruz, pois sem cruz não há salvação. A salvação passa pela cruz.

O nosso lugar é junto de Maria aos pés da cruz. Assim como o discípulo que Ele amava. È preciso estar perto da cruz de Jesus e de pé, ou seja, pronto para receber toda a força emanada da cruz. É esta força que permitirá carregar nossas cruzes. Aos pés da cruz nos abastecemos do seu amor, e mantemos sempre presente e vivo o quanto valemos para Deus, que somente Ele poderia pagar o alto preço fixado por cada um de nós.

Por isso, o que estamos esperando? Maria nos aguarda a cada dia diante da cruz de Jesus para juntos contemplar não a incompreensão dos homens, e onde ela pode chegar, nem a vitória da morte, nem tão pouco apenas um gesto de loucura sem sentido, mas para contemplar que a vitória é possível, que nada pode ser dado de antemão como perdido, que abraçando a cruz de Cristo conseguiremos levar a nossa cruz até o fim.

como MARIA quero ser um adorador de JESUS

Maria aos pés da Cruz

“Ó Morte, por que me rasgas as entranhas com tua aguda espada? E ensangüentada arrebatas do colo maternal, o filho? ( Beato José de Anchieta)”.
O Céu está encoberto, sopra um gélido vento e com persistência sacode o letreiro encimado da cruz: “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”.O corpo inerte e sem vida do Rei repousa no trono cruento do madeiro da cruz: “comsummatum est”, (tudo esté consumado).Alguns poucos lamentos, contam-se nos dedos as testemunhas da Cruz, algumas Marias, um soldado, um apóstolo apenas (aquele que Jesus amava), e Ela, a Mãe Dolorosa, a Rainha dos Mártires.
De pé, com as mãos ensangüentadas, unidas em prece silenciosa, Maria contempla o Mistério da Redenção; relembra o “Sim” da anunciação, e novamente é convidada a dizer “Sim” aos pés da Cruz. O “Sim” que gera a Igreja de Jesus Cristo.
O saudoso Papa João Paulo II tão bem definiu o momento de Maria aos pés da Cruz, dizendo: “Na anunciação, Maria dá no seu seio a natureza humana ao filho de Deus; aos pés da Cruz, em João, recebe no seu coração toda a humanidade. Mãe de Deus desde o primeiro instante da encarnação, ela torna-se mãe dos homens nos últimos momentos da vida do Filho, Jesus”.
Eis a atitude que podemos aprender com Maria: não ter medo da cruz; contemplá-la com amor, pois o crucificado é a própria encarnação do amor.
Aos pés da Cruz, ela se tornou nossa Mãe; pela oblação que fez do seu próprio filho, cooperando para que tivéssemos a Vida da Graça.
Maria é, portanto, nossa Mãe, nossa verdadeira Mãe na ordem espiritual porque é Mãe de Jesus Cristo, e Jesus Cristo é a cabeça do corpo místico (Igreja), cujos membros (atuais e potenciais) somos todos nós, a humanidade inteira.
O lado é aberto pelo lança do soldado romano Longuinus, um manancial de amor é derramado do Coração de Jesus. Um oceano de misericórdia escorre pelo madeiro, encharca a terra seca pelo pecado e traz vida nova.
Sangue e água, eis o que jorra do lado aberto! Do coração escancarado de Jesus nasce a Igreja Sacramental!
A partir dessa hora, da dor e da agonia, Maria está elevada a posição de segundo Eva, tornando-se Mãe de todos os viventes remidos pelo Sangue de Jesus.
Santo Agostinho formulou o apostolado maternal de Maria assim: “Todos os predestinados estão, neste mundo, ocultos no seio da Ssma. Virgem, onde são guardados, alimentados, conservados e engrandecidos por essa boa Mãe, até que ela os gere para a Glória depois da Morte”.
Maria Mãe da Igreja corpo mistico de Cristo, roga por todos nós, teus filhos gerados aos pés da cruz. Amém